dezembro 07, 2010

********* LA MOVIDA: LUZ, CÂMERA... ¡ACCIÓN!

antonio banderas e carmen maura em "a lei do desejo"

Os céus de Madri que enfeitiçaram Goya e Velázquez também são uma dádiva para cineastas. Muitos deles mostraram sua arquitetura e contrastes em várias obras-primas. Entretanto, a força criativa do cinema madrileno foi especialmente intensa durante a MOVIDA, a liberação cultural e sexual embalada pelas drogas que seguiu a transição democrática dos anos 1970 e início dos 80. A palavra movida significa agitação, mas é também uma gíria para “tráfico de drogas”, “avião”. Essa rebelião boêmia da classe média contra a organização social que vigorava até recentemente, assumiu uma postura nacionalista e assimilou valores tradicionais espanhóis sob excêntrica roupagem. 

Talvez o centro das manifestações cinematográficas da Movida tenha sido o Cine Alphaville, que mudou de nome, recentemente, para Golem. Este cinema ainda na ativa, inaugurado em 1977 (quando a transição pacífica para a democracia e a liberdade estava assegurada), incluía nas primeiras sessões ícones underground e as mais transgressoras obras espanholas da época, como “Arrebato” (1980), de Iván Zulueta, uma colagem febril de clichês de horror, vistos pela perspectiva paranóica do protagonista. 

O antigo Alphaville continua exibindo filmes engajados, ostentando o impressionante recorde de dez anos de sessões noturnas de “Labirinto de Paixões” (1982), co-produzido pelo próprio cinema. Esse filme de Pedro Almodóvar é uma farsa absurda e melodramática que tem como personagens uma ninfomaníaca chamada Sexilia (Cecilia Roth), um terrorista muçulmano gay, Sadec (Antonio Banderas), e o filho do ditador do fictício país Tiran, Riza Niro (Imanol Arias). Além de Almodóvar, Fernando Trueba, Fernando Colomo, Manuel Iborra e o já citado Zulueta foram cineastas emblemáticos da época.

Assim como nos filmes urbanos, a Movida foi documentada na revista “La Luna”, na música alternativa (Alaska y los Pegamoides, Los Zombies, Parálisis Permanente, Nacha Pop, Los Secretos, Ejecutivos Agresivos, Gabinete Caligari, Los Zombies etc.), nas fotografias de Alberto García-Alix e Gorka de Duo, na pintura de El Hortelano e Miguel Trillo, na moda fashion de Ágatha Ruiz de la Prada, no graffite de Juan Carlos Argüello «Muelle», na literatura da Tertulia de Creadores e em programas de TV apresentados pela atriz Carmen Maura e Paloma Chamorro. 

Carmen, a primeira musa de Almodóvar, atuou junto à cantora punk Alaska em “Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas del Montón” (1980), um melodrama escatológico sobre a solidariedade feminina. Pepi (Maura) e Bom (Alaska) tentam libertar a masoquista Luci (Eva Siva) de seu casamento com um policial que a respeita demais para bater nela. Luci torna-se groupie de uma banda punk, o que desencadeia os ciúmes do marido, que passa a surrá-la inconscientemente, conduzindo a um final feliz. Boa parte das cenas foram filmadas na lendária boate Rock-Ola (um local escuro, extravagante e encardido, abarrotado de glams, punks e roqueiros).

Os abusos de drogas e a Aids terminaram por degradar o clima despreocupado da Movida. As drogas haviam sido o principal estímulo para o modo de vida desses artistas irreverentes (em “Que Fiz Eu Para Merecer Isto?” (1984), o filho traficante de Gloria/Carmen Maura, dona-de-casa que cheira cola, aconselha a mãe a não se envolver com drogas mais pesadas). Infelizmente, a boate Rock-Ola, um dos pontos de encontro da época, tornou-se um supermercado. Outros ícones também se foram, como a discoteca Carolina, que se tornou uma loja de roupas. Apesar disso, o Alphaville (agora, Golem) e os clubes El Penta, La Vía Láctea e El Sol resistem. 

Chueca, onde Almodóvar filmou “A Lei do Desejo” (1987), hoje é o bairro da moda conhecido como o Soho de Madri. A MOVIDA MADRILENA, um fenômeno único, hoje definitivamente morto, em definitivo, representou uma época criativa de liberação, rebeldia e diversão de uma geração que estava despertando. Época em que os jovens espanhóis se viram livres da ditadura e descobriram as drogas, a boêmia, o sexo livre e a chamada contracultura.

fábio mcNamara e pedro almodóvar

Um comentário:

AnnaStesia disse...

Viva La Movida Madrileña que nos deu Almodóvar. Morro de rir com os personagens tragicômicos de Que fiz eu para merecer isto? A avô é uma figura. Carmem está ótima!
Maus hábitos e suas freiras tresloucadas também me diverte muito.